Cruzamo-nos por sorte do destino há 12 anos. Cada um seguiu o seu percurso e agora, nestas linhas, voltamos ao alinhamento pensante e conjunto do futuro.
Não segue os padrões e, por isso, afirma-se singular. Possui uma das qualidades que sempre nele admirei - humildade.
Abriu-me as portas da Quinta e as da sua intimidade confessando-me que momentos houve em que chorou. Teve medo. Superou. Errou. Aprendeu.
Abraça as dificuldades e transforma-as em energia - é este o Milton.
Tempo estimado de leitura: 16 min.
Que tipo de trabalho desenvolves na Quinta do Portal?
MF - Neste momento, na Quinta do Portal, estou responsável por toda a área de F&B, além da gestão da cozinha. Na Quinta de Portal temos uma filosofia de evolução constante.
Proporcionamos sempre experiências gastronómicas aos nossos clientes com uma gastronomia de referência e Vinhos Portal de elevada qualidade.
Cabe-me a mim a função de manter a nossa filosofia. É proibido estagnar. Tenho perfeita noção que é necessário uniformidade. É um negócio que tem de crescer, no entanto temos que nos adaptar e dar respostas ao crescimento da gastronomia tanto a nível nacional como internacional. Isto tudo, importa referir, em conjunto com os proprietários e todos os elementos que compõe a unidade que chamamos família Portal.
Assumiste muito precocemente a chefia de um restaurante. Qual a vantagem e a desvantagem disso?
MF - Vou ser sincero, é um grande desafio aceitar uma função desta envergadura numa fase tão precoce da carreira, logo não aconselho a darem este passo tão cedo por diversas razões, mas a principal que destaco é o risco de perder o ânimo e amor natural por cozinhar e principalmente a vontade natural de evoluir, sendo estas as principais desvantagens, ou seja, resumindo é um risco muito elevado.
No meu caso tive diversos altos e baixos ao longo destes anos, muitas horas de trabalho, muita horas de vida social perdida, sem ter tempo para a família e muitas vezes sem tempo para dizer um simples “Olá”.
Não tenho vergonha de dizer que muitas vezes senti-me perdido, senti-me sozinho, sem um rumo que me ajudasse a perceber que caminho devia percorrer.
Chorei sozinho, tive medo de falhar, tive medo de desiludir em quem apostou em mim.
Em termos técnicos senti falta de formação, saudade de aprender, saudades de “sofrer” sob a gestão de outros chefias.
Mas posso-te dizer hoje que peguei nas dificuldades todas e transformei-as em energia para continuar, não desisti, pois esse seria o caminho mais fácil, mas para mim essa opção nunca vai ser válida.
No meu caso, a grande vantagem da minha decisão foi a pessoa e o profissional em que me tornei. Moldou a minha personalidade, a minha vida e a forma como olho para a nossa “Arte”.
O que te dá mais prazer numa cozinha?
MF - Cozinha é uma ciência, é uma arte como mencionei antes, é incrível a constante evolução, é fascinante a eterna descoberta, a eterna aprendizagem. Hoje aprendes uma técnica ou até crias uma, passado um mês chegas a conclusão que estavas errado!
Eu sou e sempre serei um simples cozinheiro que adora ver a transformação dos alimentos, que adora provar iguarias novas ou tradicionais, sentir aromas diversos que estimulam os meus sentidos, tocar no alimento, acho que falo um pouco em nome de todos que partilham a nossa paixão - cozinhar.
Este é o meu fascínio: a quantidade de sentimentos que podemos sentir num simples gesto de levar uma colher à boca. É arrepiante e extraordinário!
Quais são os teus objetivos na quinta do portal?
MF - A administração da Quinta do Portal e eu temos os mesmo objetivos em comum: colocar o Restaurante Quinta do Portal num patamar diferenciador e único a nível nacional, queremos ser diferentes queremos ser nós. Não queremos ser melhores que ninguém. Para mim não existe concorrência, mas sim parceiros e amigos. Quantos mais restaurantes de elevada qualidade e de conceitos genuínos e próprios existirem mais temos a ganhar, como um todo.
Nós temos um longo caminho difícil para percorrer, no entanto, estamos confiantes que é este o caminho que devemos seguir.
Estás na Quinta do Portal há alguns anos. Sentes algum tipo de necessidade de mudança ou o projeto ainda te realiza em toda a linha?
MF - Costuma-se dizer onde estamos bem não devemos mudar. Em conjunto, a empresa e eu tivemos altos e baixos naturalmente, mas a nossa parceria nunca caiu. Logo, esta parceria é para durar assim a administração e direção o entenda e se identifiquem com a minha maneira de pensar e trabalhar. Logo, não sinto essa necessidade de mudança porque a Família Portal está sempre aqui para me ouvir e para que, mutuamente, nos possamos ajudar. Para além de tudo isto, dão-me a oportunidade de evoluir e crescer com eles.
O conceito farm-to-table poderá ser um caminho para ti, no futuro?
MF - Quando refiro que devemos ser um restaurante genuíno e diferenciador é obrigatório o respeito pleno pela natureza e pelos produtos que esta nos oferece. Infelizmente, nesta área, que aparentemente parece simples nem sempre as coisas correm como desejamos, mas tanto eu como a minha equipa concordamos que este é o caminho a seguir, por isso, o conceito farm-to-table vai ser uma realidade cada vez mais constante no futuro da Quinta do Portal.
Estamos e vamos continuar a trabalhar. Quando te apercebes tens a horta a guiar todo o plano de trabalho. A sazonalidade e a qualidade de produto é e será sempre a principal “arma” de todos os cozinheiros.
Que tipo de clientes procuram o teu restaurante? Existem muitos fiéis?
MF - Os nossos clientes são os principais protagonistas de todo o trabalho desenvolvido e eles sabem disso. Temos diversas nacionalidades a visitar o restaurante e o nosso trabalho diário é surpreendê-los. Dar-lhes uma memória positiva e inesquecível.
Os clientes que chegam à Quinta do Portal procuram exclusividade. Procuram experiências e alegrias, que encontram ao degustar uma criação feita com carinho por nós e com um vinho Portal cheio de histórias.
Felizmente temos clientes fiéis e cada vez mais, de norte a sul do País, que criam ligações connosco. No final do dia são estes clientes com os seus sorrisos rasgados que fazem valer a pena o esforço diário de toda a equipa.
Estando tu no interior, sentes alguma dificuldade na captação de recursos humanos qualificados?
MF - Sim, por vezes é complicado contratar recursos humanos em algumas secções da unidade. Admito que a minha mentalidade não ajuda, pois na minha opinião uma das secções mais importantes de um restaurante é a copa, no entanto, é uma das funções mais ingratas, mas no final de contas todos trabalhamos para um objectivo comum. Portanto a questão é como podemos contrariar isto? Adaptar-me à conjuntura político-social é o tiro de partida.
Mas sem fugir muito à tua pergunta, nos dias de hoje, estou a ter claras dificuldades em conseguir serviço de sala em número e qualidade suficiente para fazer frente as necessidades.
Felizmente trabalho com uma das melhores escolas do país de onde, tanto eu como tu, começamos a nossa caminhada para o mercado de trabalho, que é a Escola de Hotelaria e Turismo de Lamego, que muito tem contribuído para a evolução qualitativa do turismo no Douro.
Quais as capacidades base que um cozinheiro tem que ter para integrar a tua equipa?
MF - Eu penso no restaurante como um todo. Eu evoluí tornando-me presente em todos os sectores que sustentam a estrutura. A experiência que idealizo para o nosso cliente começa no fornecedor, passando pela mesa e terminando com o check-out . É um ciclo e não podemos deixar nenhum pormenor em vão, logo qualquer elemento que queira fazer parte desta dinâmica tem de ter vontade de aprender, vontade de evoluir e ambição.
Para mim a equipa é tudo, desde o sub-chefe, o Pedro, - meu amigo, companheiro e camarada de muitas batalhas - até aos cozinheiros como o João que está a crescer connosco e começou na copa. Eu gosto de dar oportunidades porque eu também as tive, também me deram a mão quando precisei.
Na sala: começamos pelo sorriso da Débora, que o faz com alegria natural ao apresentar uma criação, ou pela garra do Bruno que nunca deixa de lutar contra as dificuldades; Terminámos no profissionalismo do Victor.
Isto para não mencionar os restantes que sabem da importância que têm ou que tiveram.
Eu não sou ingrato e não posso, por isso, deixar cair o trabalho de certos elementos, que pertenceram à minha equipa, seja de sala ou cozinha, no esquecimento.
Isto tudo para dizer que queremos profissionais com a humildade, com determinação para crescer e aprender em conjunto, não estivéssemos nós em constante evolução e aprendizagem.
Sentes-te “isolado” por trabalhares no interior?
MF - Trabalho numa das regiões mais belas do mundo. Sou um sortudo e hoje em dia temos mais facilidades de deslocação. Se sinto assimetrias regionais? Sim, existem situações que podiam ser melhoradas, mas não quero entrar em questões políticas e de gestão regional. Acredito sim que para essas assimetrias terminarem teremos que ser nós a defender o nosso tesouro que é a região do Douro.
Por vezes posso admitir que podemos sair um pouco prejudicados em conseguir um produto ou outro, mas também acho que não me devo queixar-me, mas sim olhar para o que de melhor temos por cá.
Quem segues/admiras?
MF - Eu admiro muito todos os profissionais pois sei o quão difícil é esta área. Vou admirar sempre o meu pai que trabalhou em cozinhas muito exigentes na Suíça, durante mais de 25 anos e que me orientou mostrando o caminho para a minha paixão, pela cozinha.
Todos os meus formadores sabem da importância que tiveram na minha evolução quando muito jovem. Não posso deixar de referir o chefe Alexandre, um verdadeiro mentor, uma verdadeira inspiração, ainda hoje. Um chefe que gosto de ouvir . É um poço de aprendizagem.
Neste percurso profissional tenho acompanhado também diversos chefes portugueses, que têm feito um trabalho incrível e inigualável no nosso país. Já tive oportunidade de conhecer e trabalhar com alguns deles, dentro e fora de portas. Eles dão-me força para continuar a lutar no que acredito.
Agora olho com muito orgulho para sucesso dos chefes portugueses, com ou sem distinções, e para as suas equipas coesas, motivadas e fiéis. As mentalidades estão a mudar e isso dá-me esperança e orgulho.
Passaste por Israel, New York e Brasil. Qual foi a cultura a cultura que mais te fascinou?
MF - Uma das razões que me mantém na quinta do Portal é que não me deixam de motivar e ajudar a crescer. Estas viagens e estes eventos são sempre com esse objectivo para além, claro, de ajudar a levar a marca Portal mais longe, o que me dá orgulho porque é a sua camisola que visto.
Não consigo responder à tua questão porque já passei por mais de 10 países (seja em trabalho ou férias, não paro de pesquisar), culturas completamente distintas, mas enriquecedoras. Conheci pessoas incríveis e faço amizades por todo o mundo. É simplesmente gratificante. É essencial para a nossa evolução, para abrir a mente e potenciar a criatividade. Conseguir ir a Hong Kong ou New York buscar uma técnica ou um ingrediente que podes aplicar no restaurante é algo único e fascinante.
Como estás a gerir toda esta situação no teu restaurante?
MF - Desde que parámos não paro ( desculpa o pleonasmo), em conjunto com a direção, administração e equipa, de pensar em soluções para reanimar o negócio. Não foi fácil o choque inicial, mas a calma prevaleceu, e toda a equipa continua motivada e pronta para entrar em ação. É justo dar uma palavra de agradecimento a família Quinta do Portal por gerir, de forma exemplar, esta crise.
Ponderas alguma mudança na tua gestão/conceito?
MF - Penso que devemos continuar o caminho até aqui desenvolvido, mas melhorar e evoluir ainda mais os nossos menus. Agora é urgente repensar como adaptar todo o serviço a esta nova realidade.
Para além de chefes somos gestores e temos que guiar a operação ao sucesso financeiro. Para isso, consequentemente, vamos ter novidades e vamos alargar o nosso leque de ofertas. Este ano vamos ter de fazer, claramente, uma aposta no que o campo oferece: sossego, segurança e ar puro. As pessoas vão precisar disso e nós vamos estar lá para os receber.
Embora estejamos todos numa situação de incerteza, como encaras o futuro?
MF - Primeiramente destaco a oportunidade de mostrarmos a nossa força (restaurantes, empreendedores, chefes e suas equipas) pois quando caímos voltamos mais fortes, com novas ideias e mais preparados para o futuro. Claro que olho com preocupação para o futuro. Temos de ser cautelosos, no entanto, não podemos baixar os braços. Devemos retirar uma lição disto tudo. Nós não somos mais importantes do que o solo que pisamos e penso que esse é um ponto que nos deve fazer reflectir a todos.
Neste momento temos que mostrar aos nossos clientes que queremos ajudá-los a regressarem à normalidade, mas sempre com o maior sentido de responsabilidade.
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Dos dois
Parabéns