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A CIÊNCIA DAS MARINADAS E SALMOURAS



Hannand Meats 

O que são?
Importa, antes de mais, distinguir as três preparações. Uma marinada pode ser definida como “um líquido temperado, cozinhado ou cru, no qual são mergulhados produtos alimentares, principalmente carne ou peixe”. Uma salmoura é o processo de “mergulhar carne ou peixe em água com sal e, frequentemente, outros ingredientes aromáticos”. Finalmente, uma cura pode ser vista como um processo de “envolver comida em sal ou com uma mistura de sal, açucar, sais de cura, ervas e especiarias. A cura de sal desidrata a comida, inibe desenvolvimento bacteriano e adiciona sabor”.

                                                               Tempo estimado de leitura: 12 min

Se a cura nos é intuitivamente fácil de compreender, o mesmo não se pode dizer sobre a marinada e a salmoura que, à partida, parecem iguais. As duas preparações, no entanto, são inteiramente diferentes e, bem definidas e utilizadas, podem ser ambas igualmente úteis.


Os elementos fundamentais

A melhor forma de distinguir uma marinada de uma salmoura é olhar para os seus ingredientes.

Uma marinada tem três funções: dar sabor à proteina que nela é colocada, temperá-la e torná-la mais tenra. Para isso pode recorrer aos seguintes ingredientes:

Sal: o sal tempera a proteína e modifica a sua estrutura, aumentando o espaço entre os seus filamentos e tornando-a capaz de reter mais líquido quando cozinhada. O uso de sal na marinada deve ser parcimonioso pois, ao contrário da salmoura ou da cura, não será retirado qualquer excesso;

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Acidez (vinagre, sumo de limão, iogurte, etc.) ou alcalinidade (bicarbonato de sódio): o pH da carne ronda os 5,5 (numa escala de 0 a 14). Alterar o pH, seja tornando-o mais ácido ou mais alcalino, degrada a estrutura da proteína, tornando-a-mais tenra. A acidez também pode ser introduzida na marinada através de fermentação. O uso de bicarbonato de sódio potencia a reacção de Maillard quando for altura de confeccionar a proteína;

Vinho: a acção do vinho na marinada deve ser dividida em três vertentes. Por um lado, a acidez do vinho age da forma já acima descrita, tornando a proteína mais tenra. Por outro lado, o alcool em particular também perturba a estrutura da proteína, com resultado igual. O mesmo alcool, porém, tem tendência a deixar a proteína mais seca – o processo de osmose fará com que o líquido presente na proteína saia para a marinada, numa tentativa de equilibrar o nível de alcool. Finalmente, o vinho confere sabor à proteína;

Enzimas: a marinada pode ter uma acção enzimática sobre a proteína, tornando-a mais tenra. As enzimas podem ser introduzidas na marinada através do uso de ananás, kiwi, papaia ou gengibre, por exemplo. O sumo extraído destes frutos e raízes deve, porém, ser fresco e não pasteurizado – a pasteurização destrói as enzimas necessárias à marinada;

Aromáticos e gordura: o uso de elementos aromáticos, sejam ervas ou especiarias, e gordura, como banha e azeite, ajudam a introduzir mais sabor na proteína marinada. Alguns aromáticos como o alho, o rosmaninho, o tomilho e a paprika possuem antioxidantes naturais.

Uma salmoura tem duas funções: temperar de forma uniforme a proteína que nela é colocada e torná-la mais húmida e suculenta. Recorre, para isso, a apenas dois ingredientes:

Água e sal: uma salmoura é feita, tipicamente, num aparelho de água com uma concentração elevada de sal, geralmente de 5% a 10%, durante um tempo limitado, até atingir um grau de salinidade da proteína de 0,5% a 1%. O sal, tal como acima descrito, tempera a proteína e aumenta o espaço entre os seus filamentos, tornando-a capaz de reter mais líquido. Ora, estando esta imersa em água, o novo espaço disponível é ocupado pela salmoura, aumentando o peso da proteína em 10% ou mais. Isto resulta numa peça temperada de forma uniforme (isto torna-se mais pertinente em grandes peças de carne, por exemplo, ou quando se quer assegurar consistência de tempero) e mais suculenta quando cozinhada. Naturalmente que há quem introduza elementos aromáticos na salmoura. No entanto, uma vez que a proteína apenas pode estar na salmoura por um período curto de tempo (ou arrisca-se a ficar demasiado salgada), os aromáticos terão pouco tempo para agir.

O processo de cura surgiu como forma de preservação de alimentos durante longos períodos de tempo. O advento da refrigeração mecânica, em meados do século XIX, revolucionou esta prática e lançou a moderna indústria de produtos curados. Este processo tem, hoje, três funções: alterar a textura da proteína, conferir-lhe sabor e conservá-la. 
Para isso recorre apenas, geralmente, a um ingrediente:

Sal: o sal, tal como já descrito, altera a estrutura das proteínas. Acima de um grau de salinidade de 2% a sua estrutura altera-se e coagula, dando à peça a textura característica das carnes curadas. A cura pode ser “seca” ou “molhada”. Na primeira técnica a peça é coberta com sal e refrigerada por um período que pode variar entre poucas horas e vários dias. 
De seguida o excesso de sal é retirado da superfície da peça com uma lavagem com água corrente ou até com uma imersão em água limpa e depois seguir-se-á um período de descanso (que permitirá ao sal distribuir-se pela proteína), secagem, fumagem ou, finalmente, maturação, a temperatura e humidade controladas. Este último passo pode prolongar-se por anos até, período durante o qual as proteínas se degradam em amino-ácidos e as gorduras oxidam, melhorando o sabor e aroma.
No caso da cura “molhada” a peça é mergulhada numa solução de água com uma concentração de sal entre 18% e 22% e refrigerada por um período que pode variar entre poucas horas e vários dias. Seguem-se depois os passos já descritos para a cura “seca”. Alguns bolores são permitidos à superfície destas peças, contribuindo para enriquecer e aprofundar o seu sabor, e durante a maturação verificam-se ainda alguns efeitos da reação de Maillard – daí advém, por exemplo, a cor escura de muitos presuntos espanhóis.
As diferenças entre as duas técnicas, no resultado final, são ténues. A cura “seca” gera uma peça até 20% mais leve devido à maior perda de humidade (o que, em termos comerciais, é pertinente notar). 
Por isso muitos produtores tendem a preferir curas “molhadas” pois geram menos desperdício entre peso bruto e peso final do produto. Por outro lado, esta cura gera produtos com validades mais curtas, obriga geralmente à sua refrigeração e ainda à sua confecção antes do consumo.

Os sais

Quando falamos de sal não nos devemos limitar ao comum cloreto de sódio. Existem ainda outros sais que podem ser usados em salmouras e curas:

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Cloreto de cálcio: usado em parceria com cloreto de sódio, é útil para aumentar o volume da proteína e para estimular as enzimas que tornam a carne mais tenra durante a sua maturação e nas fases iniciais de uma subsequente cozedura. Não deve ser usado em concentrações acima de 0,03% sob pena de conferir às peças um sabor amargo;

Tripolifosfato de sódio e hexametafosfato de sódio: tal como o cloreto de cálcio, estes fosfatos servem principalmente para potenciar a acção do cloreto de sódio – aceleram o desenvolvimento da textura de carne curada e promovem a retenção de humidade em peças colocadas em salmoura. São usualmente usados em concentrações de cerca de 0,05% a 0,30%;

Nitratos e nitritos: o nitrato de potássio, também conhecido como salitre, começou por ser usado acidentalmente, nos séculos XVI e XVII, como uma impureza que crescia junto ao sal mas que, usado na cura de carne, promovia a sua cor, sabor e segurança (é um ingrediente fundamental na prevenção da bactéria que causa o botulismo). Só mais tarde, no século XX, se descobriu que o ingrediente ativo era o nitrito resultante, por acão bacteriana durante a cura, do próprio nitrato. Passou-se desde então, assim, a usar apenas o nitrito, em concentrações muito inferiores (entre 0,001% e 0,020%), exceto em determinados produtos de cura longa, que beneficiam do referido processo de transformação dos nitratos em nitritos.

A injeção e o vácuo

A indústria desenvolveu vários métodos para acelerar os efeitos de salmouras e curas. Um desses métodos é o uso de máquinas que injetam a salmoura diretamente nos tecidos da carne. Um outro método recorre a um tambor de maceração a vácuo – a carne é fechada hermeticamente nesta máquina, juntamente com a salmoura, e depois é massajada e simultaneamente submetida a vácuo. Enquanto a massagem torna a carne mais tenra e mais capaz de reter humidade, o vácuo extrai bolhas de ar dos vasos sanguíneos e força a penetração da salmoura.
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Bibliografia:
The new Larousse Gastronomique,Librairie Larousse, 1960
Modernist Cuisine -The art and science of cooking, The cooking lab LLC,2011
On cooking - A textbook of culinary fundamentals, Pearson Education Inc.2015

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