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A CIÊNCIA DO CHOCOLATE





Quem descobriu o cacau? E o chocolate? De onde vem o cacau? Como é colhido? Como é produzido o chocolate? O que significa temperar chocolate? A que temperatura se tempera o chocolate?

São estas algumas das perguntas que procuro responder nesta publicação.

Tempo estimado de leitura: 15 min.

Introdução

O cacau é obtido a partir de uma árvore nativa da América central e sul. Theobroma Cacao L. (do grego theós significa deus e brôma alimento), nomenclatura atribuída no séc. XVIII por Carl Lineu na sua obra Species Plantarum de 1753.



O cacaueiro tem um tipo de floração e consequente frutificação distintas, isto é, frutificam a partir do tronco. O fruto é inicialmente verde e, conforme o amadurecimento, torna-se amarelo. Outras variedades há em que o fruto é totalmente vermelho.



História

O cacaueiro foi trazido para a Europa pela primeira vez em 1519 por Hernándo Cortez. Na primeira carta que enviou a Carlos V descreveu isso mesmo, assim como a utilização desse produto pelos nativos como moeda de troca; Daqui também surgiu, consta-se, a expressão popular “ter cacau”, consequência desse sistema. 
Segundo dados recolhidos da época 10 sementes compravam um coelho e 100 sementes uma escrava.
Por volta do início do séc. XVII o consumo do chocolate se tinha difundido por Espanha, Inglaterra e Itália. Foi precisamente em Itália que Antonio Carletti em 1606 desenvolveu um método para converter as sementes de cacau em chocolate e a partir daí divulgou-o por toda a Europa enquanto os espanhóis o mantinham em apertado sigilo. 



No séc. XIX estava  a Europa no período dourado no que à industrialização diz respeito.

Johannes Van Houten um químico holandês criou uma prensa que separava a manteiga dos sólidos de cacau. Foi este um importante avanço na indústria. Avanço este bem aproveitado pela empresa londrina Cadburry´s que se tornou, nesta altura, a principal transformadora de cacau. Uma curisosidade: Foi também nesta empresa que surgiu um novo tipo de horário de trabalho que contemplava a tarde de sábado e o domingo inteiro como dias de descanso e lazer. Era de facto uma empresa muito preocupada com o bem-estar dos seus trabalhadores, porém, no início do séc. XX surgiram rumores que o cacau proveniente de São Tomé, usado pela Cadburry´s, seria produzido com recurso a escravos, suspeita que mais tarde se confirmou. 







Esta prática felizmente foi abolida, ainda que parcialmente, em grande parte dos países, contudo ainda persiste a mão de obra infantil, principalmente em países paupérrimos. 




Colheita

É feita com varas com uma faca circular na ponta para que desta forma seja possível o corte do pedúnculo que está entre o fruto e a árvore.




Fermentação

Posteriormente as sementes são separadas da polpa circundante e amontoadas e cobertas com cascas de banana para que assim por influência da temperatura e humidade se crie um ambiente mais favorável a um processo chamado de fermentação (isto tradicionalmente claro). 
Um processo saudável ocorre quando a semente não atinge uma temperatura superior a 35 graus; a fermentação irá influenciar principalmente os taninos presentes nas sementes que fazem com que o chocolate tenha um sabor adstringente (como que se o cacau não estivesse maduro o suficiente). Uma boa fermentação ajuda a reduzir os níveis de taninos presentes nas sementes de cacau que por sua vez dará um sabor mais encorpado ao chocolate. Os taninos estão presentes em muitas espécies de plantas, desempenham um papel na protecção contra predadores e são também responsáveis por regular o crescimento. 
Actualmente a fermentação é feita habitualmente em cubas de madeira.
Ver mais sobre fermentação aqui



Secagem

Posteriormente dá-se a secagem ao sol por um período mínimo de três dias.




Composição das sementes






Alguns dos constituintes das sementes são:

Água, gordura, teobromina, albumina, açucares e minerais.




Água

Está presente nas sementes numa quantidade compreendida entre 6 e 8%. Esta é fundamental para que a semente numa fase inicial germine. Depois da secagem reduz abruptamente.



Gordura é um dos elementos mais importantes principalmente porque actua sobre o organismo vivo como potenciador da oxidação. A gordura representa cerca de 50 a 57% do peso total da semente.

Por isso mesmo, quando não fermentada, a semente possui um sabor muito desagradável e com notas de ranço. Desta gordura, extraída por um processo de pressão hidráulica, surge o que vulgarmente chamamos de manteiga de cacau. É uma gordura que varia de cor entre o banco amarelado e o amarelo cujo aroma é bastante agradável. O seu ponto de fusão situa-se nos 35 graus.

Teobromina todos os alimentos estimulantes como café, chá, ou tabaco devem a sua acão a componentes que estimulam o nosso sistema nervoso, conhecidos quimicamente por alcalóides. O cacau não é diferente. O primeiro a constatar isso mesmo foi Schrader Woscressensky em 1841 quando isolou esta substância “amarga “ da semente. Quimicamente é muito próxima à cafeína. Tanto a teobromina, a cafeína ou nicotina como outros alcalóides semelhantes têm uma ação fisiológica e ate tóxica, se ingeridas em excesso.

As sementes são brancas e têm um sabor amargo e altera de cor mediante a exposição solar entre o amarelo, rosa e violeta ou castanho.





Albumina o termo albumina vegetal, no seu sentido mais restrito, designa uma substância proteica solúvel em água e coagulável pelo calor. O que existe nas sementes e na seiva das plantas não é albumina, mas globulina, ou seja, é insolúvel em água, embora dissolvida por soluções de sais neutros. 

Açúcares e ácidos vegetais a glicose é formada pela a ação da fermentação no processo que descrevi acima. Além da glicose possui ácidos como o tartárico e o málico.

Minerais durante o processo da fermentação os constituintes orgânicos são volatilizados, a saber: ferro ácido, cal, acido fosfórico, acido sulfúrico e cloro.


Fabricação até ao fim do séc. XVIII a fabricação do chocolate era realizada manualmente. Um método trabalhoso e pouco eficiente. As sementes eram esmagadas com ferros por um operário. Resultando na massa de cacau que depois seria processada com outros ingredientes para se obter o chocolate. A primeira máquina que foi introduzida nesta produção surgiu apenas em 1819 por Pelletier. Desde então até aos dias de hoje foram reconstruídas sucessivamente e aumentando desta forma a eficiência.


Produção do chocolate

Armazenamento, limpeza e classificação

Neste momento é recebida a mercadoria e as sementes de cacau são armazenadas num local seco. As sementes que não foram devidamente fermentadas tem uma cor branca acizentada e um sabor muito amargo e desagradável logo serão separados dos restantes.


Este é o factor mais importante e também mais sensível deste processo de produção de chocolate.

O objectivo da limpeza e selecção passa pela remoção de corpos estranhos como areia, fragmentos de sacos etc.

Torrefação

As ementes depois de classificadas e limpas são torradas a uma temperatura alta, mas mais baixa que o café por exemplo. Situa-se entre os 130 e 140 graus.

Porquê?

-Potencia o sabor;

-Os grânulos do amido são gelatinizados, pela temperatura;

-As cascas que restarem em volta das sementes serão mais facilmente retiradas;

-A moagem das sementes tornar-se-á mais eficiente;



Mistura

Aqui são misturados todos os tipos de sementes, a par do que acontece com o café, por exemplo, ( as melhores qualidades são: caracas, ariba,puerto cabelo)  na devida proporção . 
São o segredo de cada fabricante.

Moagem

Neste processo as sementes são trituradas para dar origem ao que conhecemos como pasta de cacau. E que posteriormente serão misturadas com açúcar e especiarias aquecendo a pasta a uma temperatura ente 35 e 40 graus para se formar o chocolate. Como exemplo deixo-vos um exemplo de uma ficha técnica usada por um fabricante em meados do Séc. XX: Massa de cacau 5 kg açúcar, 5 kg , cravinho 80 gr, canela 220 gr , baunilha 2,2 gr. Estas especiarias por vezes são substituídas por óleos essenciais.

Alguns Tipos de chocolate

Chocolate Ruby é um tipo de chocolate rosa, lançado pela empresa Barry Callebaut em 2017. Para a produção deste chocolate são utilizadas sementes de cacau que já possuem naturalmente uma tonalidade rosa. O sabor deste chocolate é singular.

Cacau em pó o teor de manteiga de cacau no cacau em pó situa-se nos 10% , 15%.  Tem uma acidez de 5 pH.

Cacau em pó alcalino o cacau é naturalmente ácido, contudo este tipo cacau passa por um processo de neutralização da acidez. A grande vantagem no uso deste cacau está na cor. É muito mais escuro que o anterior e de sabor mais suave claro. Tem uma acidez de 7 pH.

Chocolate Couverture tem uma percentagem de manteiga de cacau, em torno de 30% e pode conter outros ingredientes como lecitina, baunilha ou leite em pó. É um chocolate de elevada qualidade, que tem um preço obviamente. É dos mais indicados para certas elaborações como bombons.

Gianduja é pasta de chocolate 70% com pasta de avelã 30%.

Chocolate de leite este é o chocolate mais comum e mais barato. Produzido com percentagens abaixo de 50% de pasta de cacau.

Chocolate branco apesar de não ter a cor característica do cacau pode ser classificado como chocolate uma vez que tem na sua composição manteiga de cacau. Tem uma elevada concentração de gordura, emulsionantes e adoçantes.

Chocolate amargo todos os chocolates que tenham na sua composição mais de 50% de pasta de cacau podem ser classificados como amargos. Normalmente as percentagens mais comuns situam-se entre os 70% e 86%Tem menos componentes e como o próprio nome indica são mais amargos.





Temperar chocolate

O que significa temperar e para que serve?

Não, não se trata de temperar com sal e pimenta! 
É um processo que requer alguma perícia. Trata-se de um trabalho de temperaturas. A partir do momento em que o chocolate é fundido a determinada temperatura todos os seus cristais beta ficam descompensados, conforme veremos no gráfico que apresento abaixo. A partir daí torna-se necessário que o chocolate fique novamente estabilizado e para que isso aconteça há uma oscilação propositada de temperaturas.



Depois de temperado o chocolate e depois de arrefecido (à temperatura ambiente) fica mais crocante, brilhante e resistente.

De todos os processos existem dois mais conhecidos.

Derrete-se o chocolate a 45 graus. Depois arrefecemos até aos 27 graus; neste intervalo os cristais começam a formar-se: os instáveis e os estáveis. Depois aquecemos novamente o chocolate até aos 32 graus celsius. Os estáveis agem como núcleos de cristalização e nestes a gordura cristaliza de igual forma, formando-se desta forma o mesmo tipo de cristal e o chocolate fica digamos “uniformizado”, ou se quisermos, estável e pronto a usar.

Para acelerar este processo usa-se habitualmente espátulas com a finalidade de quebra dos cristais e formar-se mais núcleos de cristalização.



O outro processo embora mais simples revela-se menos eficiente. Fundimos 66% chocolate a 50 graus celsius e os restantes 34% são adicionados à temperatura ambiente, depois subimos a temperatura até aos 32 graus celsius novamente.

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Bibliografia:


De Belfort do Roque, L. , Guide practique of Fabrication du chocolat. Paris 1895
Gordian, A.,Die Deutsch Schokoladen-und Zuckerwaren-Industrie. Hamburgo 1895.
Ettling , Der Kakao, seine Kultur und Bereitung, Berlim 1903.
Ferreira, Marta Alexandra, desenvolvimento de um novo aroma para chocolates de elevado valor comercial, departamento de engenharia química, FEUP, Porto 2010

Silva, Sofia Vieira da, desenvolvimento de tabletes de chocolate com aromas e/ou inclusões, biotecnologia agrária e alimentar, UCP, Porto 2015

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