Avançar para o conteúdo principal

A CIÊNCIA DO VINAGRE



Vinagre

O que é?
O vinagre é o produto da fermentação acética do álcool pela bactéria mycoderma aceti.

(Outro tipo de fermentação, neste caso de legumes VER AQUI

A história
A palavra vinagre tem origem no termo Francês antigo vin aigre ou vinho azedo.
Crê-se que tenha sido descoberto por acidente, o resultado de vinho exposto ao ar por demasiado tempo e, assim, “estragado”. Na antiga cidade da Babilónia, hoje sul do Iraque, no ano 3000 A.C., já havia a prática de prensar frutas como figos, romãs e tâmaras e fermentar o seu sumo para produzir possivelmente os primeiros vinhos da história. Esses vinhos eram depois fermentados novamente para produzir vinagre que era usado para conservar legumes e carnes e, adicionado a água, torná-la mais segura para beber (o ácido acético presente no vinagre é um extraordinário conservante: uma solução líquida com uma proporção tão reduzida como 0,1% de ácido acético inibirá o crescimento de muitos micróbios).
Os Romanos e os Gregos usavam vinagre para criar pickles e misturavam-no também com água para produzir uma bebida chamada posca.
Durante a Idade Média o vinagre foi amplamente utilizado como instrumento de combate à Peste Negra.
Mais tarte, durante a época do Renascimento, assistimos a uma explosão na indústria do vinagre. No início do século XVIII havia mais de cem variedades diferentes de vinagres macerados. A aristocracia da época levava pequenas esponjas mergulhadas em vinagre até ao nariz para se proteger de odores desagradáveis. Transportavam essas esponjas em pequenas caixas de prata – as originais vinaigrettes”.
Uma breve descrição da história do vinagre não ficaria completa sem a menção de Louis Pasteur. Durante milhares de anos o processo de produção do vinagre foi desenvolvido de forma totalmente empírica – ninguém tinha qualquer noção de microbiologia ou da acção fermentativa das bactérias.Foi o biólogo francês que, em 1864, compreendeu e definiu cientificamente o processo de fermentação do vinagre.

O processo
Para fazer vinagre são precisos três ingredientes: oxigénio; uma bactéria do género Acetobacter ou Gluconobacter e, finalmente, um líquido alcoólico (com uma concentração de álcool próxima dos 5%. Abaixo dos 5% o vinagre teria uma acidez de 4% o que o faria deteriorar-se muito depressa; acima daquela marca o teor alcoólico elevado prejudicaria a fermentação). As bactérias acéticas, que podemos encontrar à superfície de praticamente toda a matéria viva que nos rodeia, usam o oxigénio para metabolizar álcool e produzir, dessa forma, ácido acético. O facto destas bactérias necessitarem de oxigénio para a sua actividade metabólica leva-as a concentrarem-se mais na superfície dos líquidos, formando uma capa gelatinosa que é muitas vezes chamado de véu ou mãe do vinagre.


No mundo ocidental há três processos de produção de vinagre:
·         Processo de Orléans: o mais antigo e demorado, aperfeiçoado no final do século XIV na cidade francesa com aquele nome. Segundo este processo os barris de vinho são diluídos com água, inoculados com uma mãe de um vinagre anterior e deixados a fermentar. Ao longo do tempo vai sendo retirada do barril uma parte do vinho (entretanto transformado em vinagre) e substituída por vinho novo, num processo de fermentação contínuo. Este processo é lento pois a fermentação está limitada pela área de superfície do vinho que está exposta ao ar dentro do barril. Esta delonga produz, no entanto, os vinagres de melhor e mais complexo sabor. Um barril de vinho demorará cerca de 2 meses até se converter totalmente em vinagre;


·         Processo “Alemão”, assim chamado por ter sido desenvolvido na Alemanha, no século XIX. Envolve o movimento constante do vinho através de diversos materiais porosos, o que aumenta enormemente a área de superfície do líquido exposta ao oxigénio e, assim, acelera a fermentação. Este processo permite a produção de vinagre em poucos dias;
·         Existe ainda o processo submerso, pelo qual bombas de ar bombeiam oxigénio em grandes quantidades no líquido a fermentar, acelerando grandemente a fermentação. Este processo permite a produção de vinagre em períodos tão curtos como 24 a 48 horas. Naturalmente, os processos mais rápidos produzem vinagre de qualidade inferior, tanto de sabor como de aparência (o movimento constante do líquido a fermentar produz um vinagre tendencialmente mais turvo).

Pasteurização
Após a fermentação a maioria dos vinagres são pasteurizados a uma temperatura entre os 65.º e os 70.ºC. Este processo visa não só a segurança e higiene alimentar mas também a eliminação das bactérias acéticas que, tendo metabolizado todo o álcool, passariam a metabolizar o próprio ácido acético e a produzir água e dióxido de carbono, prejudicando assim o vinagre.
(Também já abordado no artigo dos gelados VER AQUI


Os tipos de vinagres
O mais fascinante no estudo do vinagre é que este reflecte fielmente o ambiente e cultura em que é desenvolvido. Assim, há tantos tipos de vinagre quanto há povos no mundo. Os tipos mais comuns são os seguintes: vinagre de vinho (produzido a partir de sumo de uva fermentado); vinagre de sidra (produzido a partir de sumo de maçã fermentado); vinagre de fruta (produzido a partir de sumo fermentado ou, então, aromatizando vinagre vulgar por mero contacto com fruta); vinagre de malte (produzido a partir de cereais); vinagre de arroz (produzido a partir de vinho de arroz); vinagre branco (produzido apenas a partir de álcool diluido, sem quaisquer aromas ou sabores adicionais. É o mais usado na industria das conservas); vinagre de xerez (produzido a partir de vinho xerez, um vinho fortificado típico espanhol), e vinagre balsâmico (produzido a partir de diversas castas de uvas cujo sumo é fervido e reduzido. Este sumo é depois colocado num barril e vai evaporando, fermentando e concentrando sabor ao longo de anos. Todos os anos é criado um novo barril e cada um dos já existentes é reforçado com o mosto do barril imediatamente mais novo. O vinagre balsâmico é finalmente engarrafado quando atinge o envelhecimento aproximado de 12 anos).

Em Portugal
Não será surpresa dizer que os Portugueses adoram os seus vinagres. Em 2017 gastamos mais de 11 milhões de euros a comprar vinagre para as nossas casas, mais 5% do que em 2016. Compramos 9,7 milhões de litros por ano. O mercado do vinagre cresceu e amadureceu a olhos vistos nos últimos anos, com as principais marcas de temperos a apostar nos mais diversos tipos para cativar os consumidores – vinagres invulgares como o de tomate ou de figo, vinagres biológicos, vinagres IGP vários, etc. O preferido dos Portugueses permanece, no entanto, o de vinho branco – representa 67% do vinagre consumido no nosso país, seguido pelo vinagre de sidra em 2.º lugar.


Bibliografia
Harold McGee, On Food and Cooking, Scribner, 2004
René Redzepi, David Zilber, The Noma Guide to Fermentation, Artisan, 2018
Michael Harlan Turkell, Acid Trip – Travels in the World of Vinegar, Abrams, 2017
Jacques F. Bourgeois, François Barja, The history of vinegar and of its acetification systems. (CONSULTAR AQUI

Leitores