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A CIÊNCIA DOS CALDOS BASE


Aprender o significado e os porquês de cada reacção constitui, por si só, uma valiosíssima ferramenta de trabalho. 


O que são? 
Os caldos são a base de toda a cozinha, isto é, para quase todas as elaborações eles estão presentes, seja num prato de carne, peixe, arroz ou outro. 















Como acontece? 

Normalmente todos os caldos são produzidos a uma temperatura média de 100 graus. 
Durante este processo e ao longo de várias horas, as proteínas solúveis presentes na carne ou ossos (no caso dos caldos de carne) são libertadas. O colágeno é convertido em gelatina - a única proteína libertada destes; a sua extracção depende do tempo de confecção e da temperatura. Na primeira hora de confecção também libertam o magnésio e o cálcio, entre outros.
No caso dos caldos de legumes libertam todos os nutrientes solúveis na primeira hora de cozedura. Devido à sua frágil estrutura não é aconselhável prolongar demasiado no tempo, a confecção. Qualquer caldo de legumes deverá ser produzido a uma temperatura nunca superior a 82 graus. 


A temperatura desempenha um papel crucial

Um dos passos mais importantes na produção de um caldo límpido está na temperatura do caldo- até 100 graus, numa panela destapada.  
Se o caldo ferver as impurezas irão turvar o caldo. 
Aquecer o caldo lentamente permite que as impurezas subam à superfície para que desta forma possam ser removidas facilmente com uma escumadeira. 
A panela destapada garante o arrefecimento do caldo durante a evaporação, ajuda a manter uma temperatura constante e também "desidrata" a espuma que sobe à superfície o que facilita a sua remoção. 

A importância do colágeno 

O colágeno é fundamental. 
Podemos encontrá-lo em abundância nos ossos, no seu tecido conjuntivo- responsável por conferir aos mesmos uma certa flexibilidade. Durante todo o processo o tecido acima referido transforma-se em líquido numa reacção conhecida como hidrólise - um processo de desnaturação que o irá, por consequência, transformar em gelatina. Com isto consegue-se uma textura nos caldos muito mais sedosa, com o aumento da viscosidade.  Este aspecto torna-se evidente depois de arrefecido, se bem executado.

A composição da gelatina é de 99% de proteína. 

Exemplo de glace ligada com manteiga fria



Alguns tipos 

Caldos claros: 
Carnes, aves, legumes, peixe, etc. 

Caldos escuros: 
Carne, aves, caça, etc. 


CALDO CLARO DE VITELA  

Os ossos devem ser bem sangrados em água e gelo. O colágeno presente nos ossos será suficiente, no entanto podem-se adicionar outros suplementos como patas de vitela ou asas de frango. Usa-se também o mirepoix cru ou ligeiramente cozinhado. Apresenta uma cor clara e textura sedosa. 

CALDO ESCURO DE VITELA

O caldo escuro como o próprio nome indica obtém uma tonalidade escura quando selamos a carne,assamos os ossos e coramos os legumes - reação Maillard 
Este caldo poderá ser usado como base ou então reduzido substancialmente resultando numa glace muito mais concentrada e com mais sabor (normalmente reduzo este caldo a 8 a 10 vezes: cada litro resulta em 100 gr de glace). 
Daqui pode derivar também o muito conhecido demi-glace que é composto por: Molho espanhol, caldo escuro de carne e vinho madeira. Explicado em pormenor no fim do artigo.

CALDO DE PEIXE  

À semelhança de todos os outros é produzido a partir das espinhas do peixestambém elas sangradas em água e gelo de um dia para o outro. Normalmente estes caldos são produzidos em aproximadamente 3 horas em lume brando. Resultará num caldo também ele gelatinoso.  
As cabeças dos peixes são as melhores partes para se usar, pois são ricas em sabor. Recomenda-se a extração dos olhos e das guelras. Os legumes devem ser brancos: cebola, alho francês, rama de aipo para não alterarem a cor do caldo. Se o reduzirmos resultará em fumet de peixe, de sabor substancialmente concentrado. 

CALDO CLARO DE LEGUMES  

O caldo de legumes é produzido a partir de vegetais crus. 
Requerem menos tempo de fervura comparativamente aos de carne
Neste não teremos colágeno de origem animal, por isso será mais fluído. 
Podemos recorrer à adição de algas ou grão-de-bico.
Ao contrário dos caldos de carne estes podem ser produzidos numa hora, oferecem versatilidade e melhoram as elaborações, em alternativa ao uso de água simples
Como não possui qualquer proteína de ligação perde sabor rapidamente; deve ser usado em dois dias máximo. 

REMOUILLAGE 

Um remouillage é um segundo caldo feito a partir dos ossos já usados, o termo é francês. 
A vantagem de se fazer um segundo caldo está na extração ao máximo das propriedades dos ossos/carnes. 
remouillage é obviamente mais fraca que a primeira confecção. Raramente é usada isoladamente, normalmente eu junto a remouillage ao primeiro caldo, com isso consigo uma quantidade maior de produto final.  

DEMI-GLACE 

É uma mistura tpt de molho espanhol e de caldo de carne, abaixo explicadas, às quais se adiciona também vinho madeira.
Reduzido até aproximadamente 50 % do volume inicial, como o próprio nome indica. 
Tradicionalmente produzido com caldo vitela. 
É uma das muitas heranças que recebemos de Escoffier. (Quem foi?)


Molho Espanhol 

Ingredientes:

80 g de cebola  
40g de cenoura  
20 gr de farinha de trigo 
20 gr pasta de tomate concentrado 
1 folha de louro 
700 ml de caldo de carne escuro 
gr de pimenta preta 

Preparação: 
Corar os legumes. Polvilhar com farinha, adicionar o caldo de carne e os aromáticos
Durante o processo deve-se limpar as impurezas que surjam à superfície
Coar. Reduzir a 1/3 .


Caldo de Carne 

Tempo total de confecção: 12 a 16 horas. 

Ingredientes:
3,6 kg Ossos de vitela 
1 mão de vitela  
480 gr vinho tinto 
lt de água  
300 gr cebola  
450 gr alho francês  
350 gr cenoura  
350 gr tomate  
Tomilho e Louro  

Preparação: 
Corar os legumes num sautê, se os assarmos irá conferir um sabor mais ácido ao caldo. 
Assar as carnes. Fazer a deglaçage com o vinho tinto. Juntar tudo e deixar em lume brando. Nunca deve ultrapassar os 100 graus, como referido anteriormente. 
Coar e reduzir até ter a concentração desejada de sabor. 


Prato finalizado com glace de porco.



Por fim,não menos importante ... conservação





Os caldos de carne podem-se conservar facilmente em ambiente refrigerado, até 5 graus, por alguns dias.
A gelatina extraída dos ossos actua , de certa forma, como agente de conservação. 
Por sua vez, os de peixe têm uma vida útil mais curta, aproximadamente de dois dias. 
Congelados aguentam até seis meses. 





A utilidade dos caldos é inegável.
Há quem use as poeiras instantâneas, há quem simplesmente os ignore, como haverá sempre boas cozinhas e más cozinhas.







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