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A REFEIÇÃO NAS COMUNIDADES MONÁSTICAS DO SÉC. XVII - PARTE I


    É um tema relativamente bem estudado, mas com muitos atalhos e caminhos interrompidos. Nesta viagem aos anos de 1600 até 1699 procuro perguntas e respostas sobre os hábitos alimentares das comunidades monásticas europeias, com enfoque particular nas portuguesas. É uma escavação que tem tanto de atraente como de complexa.

    As comunidades monásticas viviam para orar e trabalhar. Qualquer mosteiro que pertencesse a esta ordem seria obrigado a seguir um conjunto de diretrizes descritas na constituição da regra de São Bento. Escrita no séc.VI e profusamente seguida e aplicada nas comunidades monásticas europeias, principalmente pós séc. X, tornou-se a maior ordem monástica do mundo.

    O clero, não obstante, o conforto que já gozava para a época, possuíam uma importante função/missão social como, por exemplo, alimentar os pobres e doentes. Está bem explícito na constituição o dispenseiro terá cuidado de preparar cada dia panella de caldo pera os pobres, o que nunqua faltará emquanto for possível.

Cozinha do Mosteiro de Tibães

    Nas terras circundantes, em quase todos os mosteiros desta época, cultivava-se uma gama muito variada de frutos e legumes: couves, abóboras (para compotas) repolhos,cenouras,alhos, nabos, cebolas, maçãs, laranjas, melões.

    Estão documentadas igualmente produções de feijão, milho e trigo, que serviam não só, mas também, para os pães que tinham - e têm - lugar de destaque em qualquer mesa portuguesa, seja rica ou pobre. Produzia-se, também, dependendo das regiões, várias toneladas de uva para produção de vinho que até então possuía o estatuto de medicamento.

    Antes de irmos para o refeitório importa ainda referir que cada casa tinha ao seu dispor um celeireiro que se encarregava de todos os produtos para a alimentação e um dispenseiro para mandar fazer de comer e, finalmente, o cosinheiro que apresentasse um cozinhado bem concertado e com limpeza e aparelhado pera suas horas costumadas.

     Já no refeitório…

    Para cada refeitório nomeava-se um dos monges para refeitoreiro, que zelava por todo o material utilizado em cada refeição, servia o pão, e era o responsável por trocar as toalhas das mesas de quinze em quinze dias, virando-as de oito em oito dias para que não se vissem as nódoas.


Refeitório do Mosteiro da Batalha

    A responsabilidade de servir o vinho recaía sobre o adegueiro, que só servia depois do prelado dar autorização, claro. O vinho estava proibido a todos os que ainda não fossem sacerdotes.

   O serviço na mesa era realizado pelos monges servidores (destes cargos estavam dispensados religiosos privilegiados) e pela ministra, sendo que no primeiro caso era responsável por colocar salseiras[1] e no segundo caso era responsável por servir a comida nas tábuas ou pratos, por ordem hierárquica. Toda a refeição era assim acompanhada por este séquito serviçal, de modo a que não faltasse nada aos monges.

    Para as refeições a utensilagem disponível era composta por: faca, guardanapo, copo, prato e salseira. As posições de topo, como o Abade, já se serviam de talheres de prata como podemos constatar no inventário de bens duas culheres e dous garfos, de 1693, do Abade Geral Frei Vicente dos Santos, do Mosteiro de Tibães.

    O surgimento de garfos acontece mais tarde. Até então o único “garfo” de que dispunham eram os dedos: indicador e polegar. Aliás, podemos também observar algumas das regras determinadas pela ordem na Observância que se há-de guardar no refeitório do Mosteiro de Santa Cruz De Coimbra, no início do Séc. XVII:

    Não partam o pão, nem a carne com as mãos, senão com a faqua; Não metão toda a mão na tigela, pera tirar as sopas, mas so dous ou três dedos sem sujar a mão; nem lambão os dedos, como fazem os rústicos;[2]

    A colher, nesta época, apenas servia de concha, i.e., a sopa era comida directamente da tijela.   Em cada mesa também se encontravam os saleiros com pimenta e sal e as galhetas de azeite e vinagre.

    Depois da refeição salgada era-lhes servida fruta da época, assim o mosteiro tivesse possibilidade de. No fim, deviam enxaguar o copo, dobrar o guardanapo[3], juntar as migalhas e cascas da fruta que comeram.

    Para lavarem as mãos, deslocavam-se até ao lavatório com estas erguidas e inclinando-as para um crucifixo com o capelo[4] na cabeça. Terminada a refeição, o prelado faz o sinal com a campainha e todos se levantam, inicia-se a oração de agradecimento e saem processionalmente para a igreja.

As únicas refeições permitidas eram o jantar e a ceia. O jantar, a primeira refeição, era servida às 10 horas da manhã e a ceia era servida por volta das 5 horas da tarde. Todavia, estes horários variavam consoante o calendário solar. No verão, por exemplo, as refeições eram servidas num horário mais tardio. Em alturas de jejum a ceia era substituída por uma refeição mais leve. O refeitório era, portanto, um lugar sagrado. Respeitavam a comida ao ponto de se aproveitarem até as migalhas.  

Neste artigo procurei explicar o funcionamento geral de uma refeição numa comunidade monástica no séc. XVII.

Na segunda parte deste tema irei escrafunchar, se me permitem o uso do termo, sobre os alimentos que consumiam e porquê.  

   



[1] Era colocado um para cada monge para que se colocassem os condimentos ou adubos que acompanhavam cada refeição, como mostarda por exemplo, que nunca era servida em grande quantidade.

[2] Pessoas do campo.

[3] A introdução do guardanapo em Portugal foi muito precoce, tendo sido utilizado, que haja registo, desde o séc. XV.

[4] Chapéu cardinalício.


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Rubrica: A ciência de. Os artigos dos porquês.


Bibliografia:

SANTOS, Maria José Azevedo - Alimentação em Portugal na idade média: fontes, cultura, sociedade. Coimbra: INATEL,1997.

BRAGA, Isabel M.R Mendes Drumond - Do primeiro almoço à ceia: estudos de história da alimentação. Sintra: Colares editora, 2004.

RAMOS, Anabela, CLARO Sara - Alimentar o corpo, saciar a alma. Edições afrontamento, 2013. 

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