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"Alentejo, Alentejo,
Vastidão de Portugal
Futuro, continental!
Terra lavrada, que vejo
A ser mar mas sem ter sal."
in Diário III, in Coimbra,3ª Ed.1973,p.157
Este poema será, provavelmente, a descrição mais fotográfica do Alentejo
que conheço, pelo punho do consagrado Adolfo Rocha, para uns e, para outros,
Miguel Torga. No entanto, hoje, a poesia é outra!
Todas as desculpas são válidas quando se trata de levar o meu esqueleto a passear ao Alentejo e, desta feita, não houve como negar a oportunidade de almoçar num dos mais recentes estrelados de Portugal: Herdade do Esporão. Destas terras, anualmente, saem milhões de litros de ouro, digo, azeite e vinho.
Ao comando da cozinha do restaurante, inserido na herdade, está Carlos Teixeira (que já foi por mim entrevistado em 2018 ver aqui) e, ao lado, uma excelente equipa. Um rol de gentes alentejanas e humildes.
Equipa de cozinha. Fonte: esporao.com |
Um dos pilares da cozinha de Carlos é a sustentabilidade. Leva isto a
sério. Reduz /elimina sacos de plástico, usa maioritariamente produtos da
época, que são cultivados e colhidos na herdade, onde trabalham diariamente
mais de 200 pessoas. Reduz o consumo de proteína animal. Reduz o desperdício
alimentar. No fundo, cria um ciclo fechado de produção, onde a lei de Lavoisier é
aplicada até ao mais ínfimo pormenor.
Sala do restaurante. Fonte: revistarua.pt |
A horta que serve o restaurante. Fotografia; observador.pt |
Fazendo jus à geografia, o menu de 7 momentos começa, como não podia deixar
de ser, com um fantástico momento de pão, composto por broa, focaccia e pão de trigo, à primeira
dentada é clarividente o toque do tempo e da mão humana. Neste momento foi
importante ter alguma disciplina- a bem da economia do espaço no sistema
digestivo - para não me esbardalhar na manteiga de cabra e na manteiga de banha
de porco que os acompanhou.
Nos primeiros
snacks os legumes assumem, e bem, o destaque. Há uma beterraba ao sal com alho
negro e cevada, há um brócolo com maionese de rábano, que estava soberbo não só
pelo ponto de cozedura do legume como pela maionese e a harmonização perfeita
entre ambos.
O conceito e a homogeneidade de pensamento percebem-se - ainda melhor - no
snack seguinte onde Carlos usa uma
praga como o é o lagostim de rio (um parente pobre do lagostim nephrops) como pretexto e,
transformando-a com técnica e inteligência, apresenta-o num estilo de hot dog potente, mas equilibrado.
Elegância foi
também a última palavra que me ocorreu após a primeira garfada na couve
grelhada e kimchi. Chapeau! Lamber os dedos
(ainda que de forma discreta) sempre foi algo inimaginável para mim, até este
dia e ante uma couve deste calibre. Há uma primeira vez para tudo. Ajustei a
coluna na cadeira e usei guardanapo antes colar os lábios ao copo. Olhei em
volta, discretamente, e ninguém tinha percebido. Suspirei de alívio.
Apesar de o Alentejo
ser um território vasto é finito e, como tal, de Setúbal, Carlos importou o que
de melhor existe naquela região, pois é, o belo do choco, aqui numa versão
menos popular que a fritura, mas alinhada com a elegância de um caldo das
cascas do lagostim, iguaria usada nos primeiros momentos (o tal ciclo que vos
falei).
Regressado a
casa, quero dizer, ao Alentejo, eis que a terra e a água actuam no mesmo
cenário: Lúcio vs porco, não será um combate, mas um amor proibido que, por
sorte do destino, encontraram-se no mesmo prato, um maturado e outro na forma
de um torresmo, respectivamente. Não fiquei fã deste Lúcio, talvez por não ser
adepto da maturação de peixe, mas compreendi a aplicação.
Tal como ditavam os pergaminhos da cozinha dos anos 50 aqui também temos um momento
que se aproxima ao ultrapassado corta sabores, não, não é um sorbet de Lima nem tampouco ultrapassado, trata-se de uma seleção de enchidos, gordurosos e intensos, em contraste com uma miríade de
legumes avinagrados e crocantes. As papilas em modo crime, ou reset! Escolha o leitor.
Como prado e Alentejo rimam com borrego (ok, não rimam, mas vamos relativizar) aqui está ele, penteado, perfumado e de mão dada ao arroz de miúdos. Não fosse um ou outro pormenor técnico estaria casamento firmado, com um bom dote.
Talvez com este tempo, marcado pela ausência de calor, não seja a melhor
altura para casar, mas seguramente que é a melhor época para desflorar uma bela
romã (da herdade) com gelado de leite de ovelha, falo da pré-sobremesa que,
para a missão que tem nesta fase do menu, posso dizer que a cumpriu com
distinção, e muita frescura também.
Da Invicta a Reguengos distam algumas centenas de quilômetros, mas com a sobremesa de chocolate, que fechou o menu e com um copo de vinho do porto, não senti, nem um bocadinho, saudades de casa.
Há lá coisas incríveis!
Petits-fours |
O menú, apesar dos pontos altos e alguns, poucos, baixos, é honesto e de valor. Tem conceito e história, isso é bom. Há, além de maturidade, comprometimento com o meio onde está inserido, e isso é melhor ainda.
O menu teve um custo de 80 Euros, mais harmonização de vinhos no valor de 24 Euros, que paguei integralmente. Posto isto, será seguro dizer que a estrela é merecida. A verde, idem. Carlos terá um caminho a percorrer. Como ele, nós. Está na direção certa? Seguramente!
Muito obrigado a todos!
Vista da esplanada do restaurante, para um dos lagos da herdade. |
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