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COZINHEIROS UNIDOS EM ALFÂNDEGA DA FÉ




Evento: Primeiro encontro micológico de profissionais de hotelaria e restauração portugueses.
Organização: Chefe Marco Gomes
Quando: 3 de Dezembro de 2018
Local: Alfândega da Fé.

São nove da manhã. O sol nasceu há pouco e continua tímido.
As portas do mercado municipal abrem-se para aquele que viria a ser um dia de partilha e aprendizagem. 
Aos poucos começam a chegar alguns dos quarenta e cinco convidados.

Chefe Marco Gomes 

Em cima da mesa está o mata-bicho: duas boxes de vinho branco e tinto, cogumelos silvestres em conserva, espargos e pães quentes, daqueles que se partem e repartem com a mão.
O chefe Marco Gomes assinala o início dos trabalhos com uma explicação sobre o que iria acontecer. À entrada do mercado estacionam autocarros gentilmente cedidos pela Câmara Municipal.
De cestas em punho e de bucho aviado seguimos para a serra, conhecida como Serra de Bornes, a poucos quilómetros do centro de Alfândega Da Fé.
A temperatura está amena e a humidade acima dos 80%.

Já na boca da montanha os três especialistas, que nos acompanharam, explicam-nos alguns cuidados a ter e, sem perder tempo seguimos souto adentro, tal e qual os miúdos num parque de diversões. Nem mais nem menos.
O terreno é acidentado e a vegetação densa, por entre os castanheiros.
A paisagem é silenciosa e dourada. O cheiro a terra molhada é inconfundível e incomparavelmente melhor que o de qualquer cidade.
O chão está coberto de folhagem e o ambiente é escuro e bastante húmido, ou seja, habitat perfeito para os cogumelos.
Na fotografia: Rafael (um dos especialistas), Chefe António Bóia, Paulo Amado, chefe Vitor Adão e Jonathan

Ao longe, de vez em quando, ouve-se: “COGUMELO!”
É o grito de guerra de Rafael (um dos especialistas) a entoar por todo o vale, ou, por outras palavras, o seu entusiasmo.
À medida que vamos descendo os pés ficam mais frios e a roupa encharcada e suja, mas, neste caso, (e só neste) sujidade é sinónimo de felicidade.
O desafio está ao nível de qualquer exercício militar. Aqui percebe-se (para quem não tenha a noção) o esforço que envolve todo o ciclo de um só produto até chegar ao prato de um restaurante.
Terminada a primeira ronda reunimos num descampado para comparação e avaliação dos troféus, desculpem, cogumelos.


Espera-nos agora uma subida íngreme, mas não impossível de percorrer. Para nós, cozinheiros, essa palavra não existe, talvez... desafiante.
Pelo caminho de regresso debatem-se espécies e pára-se, quando necessário, para se recolher um ou outro fungo que surge camuflado na berma.

Depois da subida, descemos em direcção a uma pequena aldeia onde nos esperam novamente os autocarros.
Uma pequena aldeia com poucos habitantes. Um deles, já idoso, cruzou-se connosco montado no seu carro, movido a cavalo.
Acena, sorrindo, claramente alegre por ver tantas pessoas jovens (e bonitas e cheirosas) não se importando que estas lhe ocupem o seu banco de pedra onde certamente passará as tardes de domingo.
À janela, está também uma senhora idosa pedindo cuidado para não sujarmos a água - onde certamente lava a sua roupa - do tanque público - para onde se dirigiram velozmente alguns cozinheiros. Sim, cozinheiros fora da cozinha (ao ar livre mesmo) por vezes são o perfeito sinónimo de selvajaria total, no bom sentido claro, claro!
Com os pés bem demolhados e respetivo esqueleto entramos novamente nos autocarros que nos levam para a Quinta do Barracão, onde poderemos finalmente dar uma nova esperança ao nosso estômago inconformado com todo aquele exigente exercício matinal do sobe e desce.
A quinta está próxima de um ribeiro, rodeada de vinhas e planícies a perder de vista. Construída a pedra, com um certo ar alentejano, mas sempre com o típico charme nortenho.
Na entrada, em vez das típicas rececionistas escolhidas a dedo e de mini saia, está um cão irrequieto a abanar o rabo, num sinal claro de que todos somos bem-vindos à sua casa.
Ao lume estão as panelas de ferro com as sopas. A fogueira no chão serve para cozinhar os cogumelos daquela manhã, vulgo amuse-bouche, aqui num formato humilde e rústico, mas muito, muito saboroso.
Mais abaixo estão umas brasas mais fortes onde são grelhadas carnes de vaca. Altas peças altas e suculentas. Sem pretensiosismos.
Numa vara, estão penduradas, em linha, dezenas de alheiras (que, infelizmente, não provei). Lá dentro, na cozinha da quinta, estão as matriarcas da festa a finalizar a canja que, como se previa, foi a melhor canja que comi até aos dias de hoje.

Na relva, ao ar livre, atentam-nos as várias mesas com o preâmbulo tradicional bragançano, a saber: pão, queijo, azeite e chouriço.
Ao lado, está o bar improvisado sobre uma pequena mesa. Nesta exibem-se frapês com garrafas de limonada alcoólica (sem hortelã e sem limão!).
Na fotografia: Vitor Adão e Pedro Capelas ( um dos três especialistas)

O almoço foi-se prologando entre anedotas e, inevitavelmente, conversas de trabalho.
Agora que o sol, tímido e frio de Dezembro, se despede de nós, Rafael puxa do seu último trunfo: uma viola no seu colo obedecendo ao ritmo dos seus dedos envelhecidos pelo apalpar constante da terra. Presenteia-nos com músicas pimba e termina em total apoteose com algumas músicas de Pink Floyd. Puxa pelo público, agora já na sobremesa, espalhado e refastelado nas pequenas tertúlias que se foram organizando à volta da mesa.
Enfim, reuniões à portuguesa.
Com as brasas mortas e o escuro a levar a melhor, o grupo começa a desintegrar-se entre abraços e apertos de mãos.

E, sem hesitar, a promessa mantém-se: para o ano haveremos de voltar.

Muito obrigado ao chefe Marco Gomes, a todos os patrocinadores e a todos os que disseram Sim!
Tornamos possível ao fazer acontecer.
Pertenceremos sempre ao futuro que escolhermos.

Fotografia: Ricardo Nogueira e Leopoldo Garcia Calhau

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