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A COZINHA PIMBA!






Quem ouve os programas da manhã e da tarde dos nossos três canais de televisão, tem garantidas umas boas horas da chamada música popularucha. Ritmos básicos (binários, ternários ou quaternários), muito curtos, letras de três ou quatro frases eternamente repetidas, que pouco mais têm que refrão. De tão fáceis e simplistas, entram facilmente no ouvido e fazem-nos bater o pezinho, ou até abanar-nos, ao ritmo das acompanhantes desnudas em coreografias tão complexas quanto as letras, geralmente com meneios sincopados e sambistas. O refrão de uma canção de Emanuel, Nós Pimba, serviu de padrinho a este tipo de música popularucha, que passou a ser conhecida por música Pimba, que já há muito existia, geralmente  liderada por cantores ex-emigrantes e ligada às festas e aos organistas tipo Nando. As primeiras letras Pimbo-brejeiras são as de Quim Barreiros, ligando duas necessidades básicas do homem, a saber, comida e sexo. Vide a célebre canção em que QB cheira o bacalhau ou, ainda mais explícita, a da cabritinha e por aí fora cada vez mais explícitas e vulgares. Reproduzo aqui o refrão da cabritinha, tudo o resto era para maiores de 88 anos e não ouso reproduzir.

"Eu sou mestre de culinária
 e sei enfeitar a travessa
Vou comprar uma panela de pressão
Para ver se eu cozinho mais depressa"


A Pimba nada tem a ver com a música popular tradicional e muito menos com o fado. Apesar de tão primária, e sobretudo por ser primária, não é tão execrável  como a música tipo Abrunhosa, que além de ter as mesmas características de registo musical e letrista básico tem outra que a torna detestável: o pretensiosismo. São este tipo de coisas a armar que constituem o verdadeiro kitsch, que como a sua origem etimológica deixa perceber (deriva do alemão cobrir, sujar), recobre solenemente os objectos com uma funcionalidade de apreciação fácil totalmente isenta de ironia ou espírito crítico.

Também temos uma cozinha Pimba e uma cozinha kitsch.  A cozinha Pimba apresenta-nos sabores extremamente simples, básicos, gorduras, sal e açúcar, prontos a agradar aos palatos menos educados ou complexos. Está neste caso a Fast Food, mas é muito comum em toda a nossa restauração actual, em que se opta pelo facilitemos do básico. Se nos acontece bater o pé com as músicas da Ágata também facilmente nos pode saber bem a combinação de sabores básicos Pimba, como os doces da avó e da casa, verdadeiras pastas de natas, bolacha maria e leite condensado. Ou os pastéis de bacalhau das nossas tascas, de paladar básico e com tão pouco bacalhau que nem chega a cheirar, ao contrário do refrão do Quim Barreiros. Estes registos Pimba que ainda nos ficam no ouvido ou no palato tornam-se kitsch e insuportáveis nos restaurantes com pretensões. Nada têm a ver com a cozinha regional ou familiar, são ademanes cada vez mais frequentes cá pela nossa restauração.

A cozinha kitsch vive de comida imitação. Comida pretensiosa sem alma. Salmão à lagareiro é kitsch. Apela aos tempos em que o salmão era selvagem, um peixe de eleição, imita o bacalhau ou o polvo, porque a malta gosta de coisas diferentes, e mergulha um peixe gordo numa piscina de azeite Ou anda alguns pratos que embora não sendo básicos mas também não sendo tradicionais se tornam tão vulgares em todo o lado que só de ler o seu nome na lista ficamos agoniados. São os magrets de pato, as saladas com queijo de cabra , mais recentemente, as bochechas de porco. Reprogramem a playlist por favor.

 Noutro registo mais upa da restauração, temos as vieiras. Com tanto marisco de concha bom que temos, foram buscar estes bichos sabe Deus onde e trouxeram-nos congelados para os nossos pratos, em delírios de secura e sensaborismo. São as vieiras Abrunhosa.

Ah, mas o clímax kitschopimba actual obtém-se com os queijos e os molhos, que representam no prato aquele pequename semidespido que faz de tudo para nos distrair da cantoria, que o galã das madeixinhas louras até desafina um bocadinho, mas caramba um homem não é de ferro. As piquenas são os molhos, que nos levam a comer má proteína inundada por um choque de gordura, que a gordura sabe sempre bem. São heranças dos traços e bolas coloridos que a Nouvelle Cuisine trouxe para os pratos nos anos 70 e que ainda se apanham por aí nos restaurantes dos 50 euros, junto com o pestilento óleo de trufa. E o queijo. Hoje tudo leva o queijo abrunhósico, desde à tasca aos de 50 euros e aos concursos televisivos e ainda lhe juntam natas. Ainda se fosse daquele "tipo qualquer coisa", tipo serra por exemplo, não se estragavam duas casas. Mas assim até conseguem iconoclasticamente arruinar um bom pedaço de queijo da serra. A psicose dos molhos invadiu-nos, mas são molhos exógenos, que não resultam da confecção do produto. Vai-se comer qualquer pedaço de proteína e lá vem a pergunta: quer com molho de alho, de manteiga, de maionese de restolhada de melancia?? 

Vamos lá mas é começar a cozinhar uns fadinhos.

Artigo de Maria Fátima Moura Ver AQUI






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