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POUSADA SÃO BARTOLOMEU - BRAGANÇA

De um espaço e lugar desconhecidos (re)nasceu, por vontade de dois irmãos totalmente apaixonados pela arte de bem servir um espaço singular e excepcional. 
Remodelaram a pousada e lutaram pela dignificação de uma região com uma dedicação aterradora. Poderia até ser uma narrativa interessante para uma novela,mas...não! É real, existem e recomendam-se. 
Conseguiram o que mais ninguém até hoje conseguiu - uma estrela Michelin, em Bragança.
Afinal existe mais Portugal além fronteira lisboeta!Bravo!

Confesso, as minhas expectativas eram baixas, pelo simples facto de conhecer hoje melhor os bastidores do mundo da restauração e por ter aprendido de todas as formas que nem tudo é o que parece, porém, neste caso, revelou-se uma experiência muito satisfatória (sublime,talvez esteja mais correcto), em toda a linha. 

O ambiente é tipicamente transmontano,ou seja, acolhedor. Respira-se bom gosto de canto a canto. A sala de jantar é simples e sobriamente decorada. 

Fomos convidados a sentar primeiro na esplanada, pois a noite estava incrível e a paisagem nocturna merecia mais do que um rápido olhar. 

Depois, já na sala de jantar, António apresentou-nos um pouco do trabalho que têm vindo a desenvolver. 
A escolha do nosso menu ficou a cargo do chefe Óscar. 

Como expectável na boa mesa transmontana o jantar começou com uma larga variedade de pães, variedade essa condizente com a gama de azeites apresentados. A nossa escolha recaiu naquele que, para mim, é um dos melhores azeites do mundo: Romeu, a obra-prima da olivicultura portuguesa.

Como primeiro snack  foi-nos apresentado uma bola de Berlim com Terrincho e presunto, um dos ícones da cozinha de Óscar, que permite também um pouco de mise en scéne pelo corte do presunto defronte do comensal. 
Depois, já com os pés bem assentes na serra, uma garfada nos saborosos e terrosos boletus com espargos brancos e enguia fumada, uma ligação segura e eficaz que me transportou rapidamente para momentos mais telúricos da minha vida (não,não digo infância, sou do contra, só isso) .

Directamente da joalharia saiu o novo snack cujo o nome "rocher" faz jus à representação, isto porque se apresenta no mesmo formato, dentro de uma campânula e com uma cobertura dourada. Aqui não entra o ambrósio, mas o luxo é o mesmo não estivéssemos a falar de um dos ícones da gastronomia da região, a alheira. Como não podia deixar de ser neste tipo de mesas foi-nos servido o Rei do Algarve, carabineiro de excelente qualidade, acompanhado com milhos e um caldo das cabeças do dito, estratégia ganhadora que replicada no prato seguinte resultou num grande momento com o prato de santiaguinhos e cabeça de porco. 

Já no capítulo seguinte o sargo brilhou, abafando ao de leve o protagonismo do lingueirão que se serviu num arroz, muito bem executado e al dente, ao qual trocava facilmente a salsa pelo coentro, mas isso é só um gosto pessoal. 

Até aqui o menú tinha sido bastante coerente e seguiu uma linha de intensidade bastante agradável, digo ascendente. Sobre esse capítulo o chefe Óscar tem a lição bem estudada pois o lombo de novilho que se seguiu continuou a escalada no palato. Por mim bastava ser servida apenas a carne e a glace que já ficava satisfeito, mas decidiram juntar ervilhas e não fiquei triste por isso. 

Hoje, como tem vindo a ser apanágio nos últimos anos, na restauração mundial, os restaurantes desta categoria têm uma necessidade de entreter (e bem ) quem os visita. 
Há uma preocupação transversal com o story telling. Como consequência disso houve o cuidado, por parte dos irmãos, de recuperar a cultura do pombo à mesa. Ave esta que foi uma importantíssima para o desenvolvimento agrícola desta região, no Séc. XX. Não o fotografei por culpa do vinho talvez, mas posso escrever que foi um belo capítulo de despedida dos salgados (deixo o vídeo abaixo) . 50% do prato foi terminado na mesa sob o olhar atento do chefe Óscar que frequentemente contactava directamente com os clientes.
  
Para fechar apresentaram-se sobre a mesa três tipos de sobremesa. A que me prendeu mais atenção foi a última, talvez pela minha preferência pessoal por elementos ácidos e pouco doces.

Desligadas as luzes voltamos à origem, quero dizer, esplanada. De lá saímos ainda mais satisfeitos pela partilha de cozinheiros para cozinheiros, noite adentro. 

Até hoje foi o espaço com que mais me identifiquei, quer pela região onde está inserido como pela ideologia e visão dos seus mentores. Muito agradeço e, permitam-me a ousadia, também em nome de uma grande parte dos cozinheiros portugueses, a vossa coragem na defesa da portugalidade assim como pela vossa tenacidade de lutar pelo que acreditam e onde acreditam.

Parabéns.




Os irmãos Óscar e António Gonçalves
Fotografia: Evasões.pt

Variedade de pães: pão de mel,espelta,centeio, oregãos e grissinis

Um pequeno pão artesanal (bem quente) e manteiga das flores

António em acção

Bola de berlim de terrincho e presunto de zamora (mix de ibérico com bísaro)
Prato completo na fotografia abaixo



Enguia fumada,espargo branco,boletus e glace de vitela


"Rocher" de alheira

Carabineiro com milhos e algas

Santiaguinhos com cabeça de porco

Sargo com arroz de lingueirão

Vaca,ervilha e centeio



Pombo estufado à Bragança 





Frutos vermelhos e pimenta preta

Pudim de amêndoa e pêssego 

Chocolate,laranja e huacatay


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