Em 2010 um
acontecimento inesperado deixou o Mugaritz numa encruzilhada.
Um incêndio arrasou
por completo a cozinha, reduzindo-a cinzas.
Da noite para o dia o chefe
Andoni Aduriz perdeu tudo.
Teve que encerrar o restaurante
quatro meses e preparou-se para algo que não estava nos seus planos:
reconstruir-se.
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Tempo estimado de leitura: 9 minutos
Faz agora 10 anos que um incêndio empurrou
o Mugaritz quase para o abismo. O que aprendeu com essa experiência?
Aprendi
que as pessoas têm sempre uma melhor versão delas próprias escondida, que é o que
se evidencia nestes momentos decisivos.
Até então perguntava-me: Se eu estivesse num navio a afundar-me, como agiria? Seria dos que daria prioridade às mulheres e crianças ou colocaria uma peruca para me escapar “entre os pingos da chuva”?
Também percebi que trabalhava com uma equipa extraordinariamente comprometida e aprendi que a maioria dos seres humanos têm boa índole. Surpreendeu-me que, mesmo estando numa situação difícil, das piores da minha vida, de certa forma foi a que mais me impulsionou!
Até então perguntava-me: Se eu estivesse num navio a afundar-me, como agiria? Seria dos que daria prioridade às mulheres e crianças ou colocaria uma peruca para me escapar “entre os pingos da chuva”?
Também percebi que trabalhava com uma equipa extraordinariamente comprometida e aprendi que a maioria dos seres humanos têm boa índole. Surpreendeu-me que, mesmo estando numa situação difícil, das piores da minha vida, de certa forma foi a que mais me impulsionou!
Ninguém previa esta crise. O que é
certo é que estremeceu completamente todo o sector da restauração. O que acha
que mais evidencia, esta crise?
Muitas
coisas, desde logo uma que é que todos nós vivemos o dia-a-dia. Esta espécie de
necessidade que a economia esteja ativa fez com que vivêssemos completamente reféns
num modelo - em termos gerais - economicamente muito limitado. Quanto oxigénio económico
têm os restaurantes para aguentar esta situação? Em muitos casos apenas o
suficiente para aguentar um mês! A partir daqui há muito medo porque fica também
bem vincado que o nosso caminho, o que entendíamos como o normal, era afinal
bastante fictício.
O que pode mudar com a crise do
covid-19?
Isto pode
ter várias faces. Por um lado, recuperamos o hábito maravilhoso de cozinhar.
Por outro aceleraram-se projectos como o delivery,
quer por restaurantes que já tinham estudado esse nicho como para o sector do
retalho. Se a alguém não apetece cozinhar percebe hoje mais claramente que os
seus desejos se concretizam à distância de um clique. Eu mesmo, estando em
casa, tenho feito coisas que nunca tinha feito antes, como comprar marisco sem
vê-lo primeiro. Tenho a “mania” de gostar de ver as coisas, pois os ecrãs
enganam muito.
Crê que esta crise implicará
mudanças ainda mais profundas?
Para aqueles
que acreditam que “nada será como antes”, tudo isto colide com algo ainda forte
que é a falta de memória do ser humano. Esquecemos rápido. Temos uma capacidade
tremenda de adaptação. As pessoas - enquanto se recupera a normalidade, cuja
duração será, segundo as previsões, de 18 meses - já terão esquecido tudo.
Como imagina os próximos meses?
A alta cozinha sofreu um
tremendo abanão, entre outras consequências. Tem vivido sobretudo de público estrangeiro, público esse que não existirá nos primeiros tempos.
O Mugartiz ardeu em 2010, foi uma crise pessoal que me impulsionou porém, a crise do covid-19, será diferente por um motivo: no momento em que reabra o restaurante já não terei clientes como outrora. Porque o meu público-alvo era estrangeiro. O problema do Mugaritz não será a recessão económica do país mas as fronteiras fechadas. Quando abrir portas certamente os meus clientes não poderão sequer entrar em Espanha.
O Mugartiz ardeu em 2010, foi uma crise pessoal que me impulsionou porém, a crise do covid-19, será diferente por um motivo: no momento em que reabra o restaurante já não terei clientes como outrora. Porque o meu público-alvo era estrangeiro. O problema do Mugaritz não será a recessão económica do país mas as fronteiras fechadas. Quando abrir portas certamente os meus clientes não poderão sequer entrar em Espanha.
E de resto? Como crê que o covid-19 irá afetar a restauração
nacional?
Com isto desaparecerá
certamente 20% da atividade.
Preocupa-me especialmente a perda que isto significará para uma geração de novos projectos: esses pequenos estabelecimentos que precisam de muito mais apoio, esses que seriam a colheita do futuro e que por culpa desta crise poderão não estar presentes no dia de amanhã.
Preocupa-me especialmente a perda que isto significará para uma geração de novos projectos: esses pequenos estabelecimentos que precisam de muito mais apoio, esses que seriam a colheita do futuro e que por culpa desta crise poderão não estar presentes no dia de amanhã.
Como imagina o “ Dia D”,
quero dizer, o dia em que finalmente uma grande parte dos restaurantes poderão
abrir as portas?
Os restaurantes com preços mais baixos vão começar
a trabalhar desde o primeiro minuto. Os restaurantes de um nicho de mercado a
preços mais baixos, 30 EUR, estarão imediatamente cheios.
Em todo o caso, logicamente, deverão ser tomadas medidas preventivas de acesso e de distanciamento entre mesas, que por sua vez irá condicionar bastante a viabilidade desses negócios.
Os restaurantes de um patamar médio, que tinham já o seu mercado também irão trabalhar sem dificuldade.
Os que estarão numa situação mais frágil serão os restaurantes com um preço médio mais alto, com um público muito específico.
Em todo o caso, logicamente, deverão ser tomadas medidas preventivas de acesso e de distanciamento entre mesas, que por sua vez irá condicionar bastante a viabilidade desses negócios.
Os restaurantes de um patamar médio, que tinham já o seu mercado também irão trabalhar sem dificuldade.
Os que estarão numa situação mais frágil serão os restaurantes com um preço médio mais alto, com um público muito específico.
O que fará o Mugaritz neste
contexto?
As empresas de automóveis demonstram-nos
que podem perfeitamente deixar de produzir automóveis e podem passar a
produzir ventiladores. Muitas pessoas se reinventam. O Mugaritz não se define
como um restaurante, mas sim como um ecossistema criativo. Uma empresa inovadora não vive
só do que faz mas também do que sabe fazer. Iremos aprender mais e a sermos ainda mais
criativos. Neste contexto,
creio que o nosso caminho será esse: singularidade. Responderemos à mudança se
formos más Mugartiz.
Acredita que de um modo geral a alta cozinha deve adaptar as suas
propostas às novas circunstâncias?
Sempre terás que fazer algo
extremamente revolucionário, disruptivo, porém deves cair na realidade, mas se mudares o conceito e ofereceres experiências em restaurantes de luxo por 30 EUR
para estimular um determinado tipo de clientela e resistir mais tempo não funciona, e isso já o constatamos em casos bem próximos estas mudanças contribuem, sem dúvida na destruição de uma imagem
que te leva tanto tempo a construir.
A declaração de estado de emergência afectou o Mugaritz precisamente
no período em que decorria a preparação criativa da próxima época. Esse desenvolvimento
será posto em prática mesmo com a crise do covid-19?
Claro que sim. Com as crises
anteriores a criatividade foi beliscada, os restaurantes mais criativos optaram
por um rumo mais conservador. Porém o Mugaritz sempre foi fiel ao seu conceito
e a criatividade é-nos natural. Em algumas ocasiões ficamos muito sós, apesar
de tudo não vamos deixar de seguir a mesma linha de pensamento. Como se
fossemos os únicos no mundo.
Será este, então, o momento para sermos criativos?
Temos que ser ainda mais
criativos: ou nos reafirmamos ou somos totalmente
disruptivos. Nestes dias terei duas reuniões com a equipa do I+D e estamos a
trabalhar com a premissa que, no dia em que abrirmos o Mugaritz continuaremos a
ser o Mugaritz tal como toda a gente o conhece.
Além de chefiar o Mugaritz, é o presidente da Euro-Toques de
Espanha, um grupo de quase 800 cozinheiros espanhóis. Qual é o sentimento entre
os seus pares?
Há uma necessidade de afeto e
uma necessidade real de trabalho numa situação economicamente tão difícil como
esta. Procuro passar uma mensagem de conforto aos associados, dizendo-lhes que
não estão sós, que vamos enfrentar isto em grupo, que estamos todos no mesmo
barco, que temos que nos proteger como sector, se não as coisas serão muito
mais difíceis.
Em países como os EUA,
discute-se a necessidade de um resgate dos restaurantes por parte do governo.
Em Espanha fazia sentido implementar algo parecido?
Nós, se pedirmos algo do género será só se se
justificar e não porque se pode pedir. Todos devemos de ser suficientemente
racionais para perceber que não faz muito sentido “resgatar” a hotelaria e restauração
se não se salvarem os restantes sectores da economia.
Nestes dias estranhamos
muitas coisas e, uma das, sem dúvida, é o facto de não podermos ir jantar a um
restaurante. Que papel estes poderão desempenhar no futuro?
Os restaurantes desempenham um papel social. São
parte indiscutível da vida das pessoas. Mesmo que haja uma diminuição de facturação, os restaurantes não vão desaparecer, basicamente porque a experiência de
jantares num restaurante não poderá ser comprada pela Internet.
Só se poderá desfrutar desta num restaurante.´
Só se poderá desfrutar desta num restaurante.´
Nota importante
Esta entrevista foi originalmente publicada no Retocoronavirus.
Foi mudada para português por mim.
Agradeço ao autor a cedência dos créditos para publicação neste espaço.
Foi mudada para português por mim.
Agradeço ao autor a cedência dos créditos para publicação neste espaço.