Francesc Guillamet/Phaidon Press |
Publicado originalmente no ETASTE
Surge de forma consciente ou inconsciente. A parte consciente, a que controlamos,
é gerida pelo lado mais racional, normalmente fechada sobre si. É o resultado
do natural processo cognitivo. Esta pode ser afetada por fatores externos e até
próprio estado de espírito. A parte
inconsciente, a que não dominamos e nem sequer conhecemos verdadeiramente,
é a responsável pelo nosso lado mais infantil e primitivo de toda a associação
de ideias. Juntas são nada mais nada menos que sistemas organizados, quase
automáticos na forma e no lugar. Servem-nos para agilizar o processo que se
quer tão lento quanto possível.
Lentidão é a
palavra-chave. A
rapidez perturba quase sempre a tomada de decisões. Por isso não é bem-vinda,
apenas na execução. A lentidão é por isso benéfica, pois resulta
frequentemente, em vários processos difusos que se acumulam na desordem. A
confusão ou mudança de perspetiva é obrigatória. A partir destas haverá,
naturalmente, um início, e com isso será criada uma nova organização, um novo
método e porventura uma nova ideia. A
criatividade assume, para mim, a imagem de um fruto desenvolvido a partir da
semente que nos é atribuída à nascença, como ser pensante. Depois, cresce a
planta comumente batizada de personalidade. Será podada, regada e tratada
individualmente. Num sentido mais figurado podemos atribuir a grandeza de génio
à nossa qualidade enquanto jardineiros. Querendo
dizer que no que plantamos mandamos nós.
Nunca acreditei em dons, acredito em trabalho e nas
múltiplas variantes que a partir deste se desenvolvem, ou pela necessidade,
como o caso de vários exemplos criativos tão simples como os das pataniscas e
enchidos, só para exemplificar. Ora esta ferramenta, serviu, serve e servirá
para confrontar vários paradigmas preestabelecidos – de forma primitiva ou não
– os modelos uniformemente aceites. Tem assumido vários formatos, consoante a
necessidade individual ou coletiva. Originalmente honesta e pouco trabalhada
culminou no que hoje chamamos de modernidade. Modernidade porque se assume
presente. Uma esferificação será passado, porquê? Poderemos afirmar com segurança que esta inovação ou choque não pode
vir a ser uma tradição?.
Enquanto cozinheiros, debatemo-nos diariamente sobre todos
estes sentidos, sobre a ordem do debate:
Mais técnica no prato? vs Irei prejudicá-lo com todo este
ruído?
Ou
Estará muito arriscado? vs Estará muito simples?
Quando pensamos em
determinada iguaria, pensamo-la para nós, isto é, primeiramente há um gosto
muito individual, sempre egoísta. O que se torna paradoxal quando, por outro lado, pensamos se
irá ou não agradar ao público. Afinal, um restaurante é um negócio, negócio
esse que não sobrevive apenas com o ego
de um cozinheiro.
A tendência da inovação
é claramente no sentido da descomplicação. Não, não se trata de ser simplista, trata-se sim de
simplicidade e harmonia. São, para mim, o início da maturidade em que já
experimentámos um pouco de tudo e percebemos que criar não é outra coisa senão
uma reinvenção diária, que começa
pelo interior e termina na expressão, no prato. Uns poderão dizer que é
romantizar eu digo que isto é… cozinhar.